As mãos e as artroses delas ainda enregeladas acabam de levantar do encharcado chão as melhores mantas de musgo – este ano acho que terei sido dos primeiros – algures, nas encostas de um pequeno vale ali para as bandas de Ortiga, Mação. É com elas que vou atapetar quase um metro quadrado do meu presépio, num ritual, creio, a que nunca faltei desde que me conheço. Outra vez, e sempre, com redobrada intensidade – parece que quanto mais avançamos na idade mais nos aproximamos dessa idade outra onde tudo teve seu começo…- as memórias de um presépio que via nascer com deslumbrado fascínio, por entre os tão frágeis quanto mágicos dedos da minha querida professora Menina Conceição, ainda, para nosso agrado, bem viva por Cardigos. Acho mesmo que lhe devo alguma desta persistência no mundo das artes plásticas, ontem, como hoje, na procura do Belo que se esconde, como dizia Miguel Ângelo, adormecido numa pedra, à espera que alguém lhe dê vida. A Menina Conceição fazia presépios como ninguém mas agora que me preparo para erguer a gruta - numa solução encontrada, há já alguns anos, em mirífica e abaulada casca de sobreiro – vêm-me à memória as suas pedras simuladas, erguidas a partir de espesso e contorcido papel de cenário a que adequadas tintas emprestavam um realismo que, não duvido, poderiam enganar o florentino escultor! E as casinhas, com seus tectos palestinos em meia lua, muito branquinhos, com trémulas lamparinas simulando vida dentro delas…para não falar do gosto que nos incutia na modelação das nossas próprias figuras. Alguns anos mais tarde um colega de seminário haveria de recordar-me como, enquanto uns se perdiam pelo futebol ( onde a minha vontade de jogar raramente encontrava eco, por inabilidade, creio, nos eleitos, nos “seleccionados” para os grandes derbies!!!) no pelado de Gavião, eu me embrenhava nos seus muitos barredos tentando dar vida a algumas das figurinhas do presépio. Acho mesmo que eram os bons vícios da escola primária da saudosa Cardigos de que não queria separar-me.
Obrigado, Menina Conceição, outra vez.
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Este ano, por ser de continuada crise, sei lá, insisti em encher de palha a pequenina cabana, assim como que a querer lembrar-me a mim próprio, de que Natal também significa nascer para uma vida cada vez mais ligada ao Ser do que ao ter. E, no entanto, como crescem os apelos a que nos esqueçamos destas realidades iniciais, a começar pelo continuado desprezo pelo nosso interior, um desprezo que dói mais quando é protagonizado por aqueles de entre nós que ainda vão apostando ficar por aqui. Falo do património edificado de Mação e dos seus mais recentes e deslumbrados atentados como aquele que temos patente no Largo do Cineteatro. E se o presépio nos remete para a singeleza da gruta de Belém, o que é que nos custava preservar o Centro Histórico com reconstruções que preservassem a velha traça que herdámos dos nossos antepassados? Por que não deixar os exercícios de arquitectura modernaça para a zona moderna envolvente a Mação? Nada nos move contra quem investe em Mação, nomeadamente, contra os proprietários do edifício em causa, e, sim, contra a opção que a senhora Câmara ali autorizou, ela que devia ser o garante da jóia da coroa. Menina Conceição, vou pedir ao Menino Jesus que a faça vir cá dar umas lições de património aos nossos deslumbrados autarcas. Que pena que não tenham sido seus alunos. Feliz Natal para todos e um 2010 com mais respeito pelo nosso património!
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Para postal, escolho este ano esta escultura “Família” realizada no conjunto das várias exposições que, afortunadamente, pude realizar em Lisboa, Aljustrel e Messejana apesar de, à semelhança do Menino ( ele que me desculpe a presunção!) não ter havido lugar para mim, por “falta de nome”, nos corredores de S.Bento.
Uma família, a sua casa, celebrando essa outra realidade que nos é tão peculiar, a do vinho, que o Menino, nas vésperas de nos deixar, consagraria como o Seu sangue, o derradeiro Testemunho de que ficaria para sempre connosco.
Natal, pois, Deus connosco, todos os dias. Sempre.